segunda-feira, 23 de abril de 2012

Verbos do momento


Existem alguns verbos que, vez por outra, ganham uma evidência inesperada. Há outros que voltam por necessidade e se fixam no uso cotidiano de tal modo, que acabam até perdendo o peso semântico original. Refiro-me aos verbos “esquadrinhar” e “desencavar”, no primeiro caso, e a “curtir” e “compartilhar”, no segundo. Vamos aos dois primeiros.
Em época de eleições, os candidatos estão sujeitos a ter suas vidas esquadrinhadas e a ter que ouvir casos menos nobres de suas vidas desencavados pela imprensa ou por algumas línguas ferinas. Acabamos de ouvir que um candidato às prévias das eleições americanas desistiu, por ter sido desencavado o episódio cruel em que ele se envolveu, ao  transportar o cachorro de estimação da família na cobertura do automóvel, em uma viagem de férias.Quem assim procede, não está mesmo apto a dirigir os destinos de uma nação e a coordenar ações humanas.
De onde teriam vindo os verbos esquadrinhar e desencavar? Esquadrinhar significa, de acordo com o dicionário Aurélio: 1. Examinar minuciosamente; vigiar com cuidado; investigar, pesquisar, perscrutar: “Ansioso esquadrinhava os recantos do céu / De onde devíeis vir” (Alberto de Oliveira, Poesias, 4.a série, p. 83).
2. Estudar, analisar.” Esse verbo derivou-se da palavra latina “scrutinium”, daí o verbo “scrutiniare” e, na evolução para o português, tivemos: “codrinar”, “escudrinar”, “escodrunnado”, até chegar ao atual “esquadrinhar” e seus derivados: ”esquadrinhamento”, “esquadrinhador”, “esquadrinhado.” É preciso tomar cuidado com os esquadrinhadores da vida das pessoas. As redes sociais têm servido de instrumento a milhares desses seres abjetos. Eles vivem de esquadrinhar o modo de viver das pessoas e de desencavar deslizes a que os seres humanos estão sujeitos.
O verbo desencavar tem sua origem na palavra latina “cava”, de “cavus”: fosso. Pelo processo de derivação sufixal passamos a ter “cavar”, depois “encavar”, com o prefixo “des” e, por último, “desencavar”, que significa hoje, de acordo com o excelente “Dicionário UNESP do português contemporâneo”, organizado pelo meu mestre Dr. Francisco da Silva Borba: encontrar, descobrir, conseguir. “Os ricos sempre desencavam bons empregos para os filhos.” Tenho certeza de que esses dois verbos, nesta época de eleições nos vários níveis dos poderes da nossa República, voltarão a ser muito praticados, para a felicidade, ou para a infelicidade de muitos candidatos a cargos eletivos.
Curtir e compartilhar são os dois verbos mais prestativos da rede social Facebook.Como curtem e como partilham os milhares de usuários dessa teia de comunicação social, meu Deus! Curtir é mais econômico. Curtir é a ação mais rápida da rede. Olhou, clicou, curtiu, está pronta a sua participação. “Se você estiver sem tempo, apenas curta o status da pessoa adicionada.” É de todo recomendável que se crie logo um verbo para a ação de se produzir o status que se quer compartilhar. Poderia ser, por exemplo, o verbo estatutar, derivado de “estatuto”, que significa, conforme o Dicionário Aurélio: Posição, condição; status:
Teríamos então: “estatutar”, “curtir” e “compartilhar”. Veja que frase poderíamos ouvir entre amigos: “Eu estatuto, compartilho e você me curte.” Curtiu? Então, compartilhe, meu leitor. De onde teria surgido o verbo curtir? Não se sabe ao certo. O significado original que se encontra no Dicionário Aurélio é: “Preparar (couro) para torná-lo imputrescível.” Na 10ª edição do formidável Dicionário de Verbos e Regimes, de Francisco Fernandes, publicado pela Editora Globo, podemos ler: “Preparar, pondo de molho, em líquido adequado: “Curtir azeitonas”. Também aparece a seguinte acepção: Padecer, sofrer, suportar: “O velho exânime e sem forças, curtia amargos transes”. E cita um uso poético de Gonçalves Dias: “Curtir saudades.” Vamos encontrar o significado de” “Gozar, desfrutar, deleitar-se”, apenas na entrada de número nove do Aurélio, como gíria. É muito interessante a mudança de significação de um verbo como curtir. De sofrer, para desfrutar, deleitar-se, extasiar-se. Vale a pena testar a sua capacidade de extasiar-se diante dos milhares de compartilhamentos a que você se sujeita nos momentos de curtição da rede social de que você faz parte. Espero que você curta bem minha crônica e a compartilhe com os seus amigos. Até a próxima.
Créditos: Juscelino Pernambuco.

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